Aquela que é duas - Ana Clara Freitas

- Como você chegou aqui? - Uma voz perguntou, fazendo-me despertar de um torpor que parecia infinito. Eu ainda estava à deriva e finalmente percebi o que estava acontecendo, o que havia acontecido.
- Morrendo.
- Como? - Perguntou-me mais uma vez, talvez fosse uma série de perguntas para garantir que eu soubesse o que tinha acontecido e para onde eu estava indo e olhei para as minhas mãos, braços e pernas surpreendo-me com a atual coloração
- Matei ela.-Confessei e um peso que residia em meu peito perdeu-se na escuridão que me cercava e um novo o tomou.
- E ela lhe matou?
- Não sei, talvez eu não vivesse sem ela.- eu realmente não sabia o que responder, mas falei o que eu sabia, que ela era minha.
- Quem é ela?
- Era eu.- E a matei, parte de mim, como eu consegui fazer isso?
- Então você se matou?-agora a voz estava com um tom de clareza inexplicável, mesmo que eu não conseguisse enxergar.
- Não, eu matei ela e...tudo que era branco ficou vermelho. -fale enquanto olhava novamente para mim e fiquei decepcionada, meu coração chegou a errar batidas, eu não conseguia mais olhar.
- Você sabe por que está aqui?
- Por que eu sou culpada tanto quanto ela. -as lágrimas caíam dos meus olhos como torrentes, e cai de joelhos não aguentando o meu peso e a culpa dos meus atos.
- O que ela fez? - Agora a voz parecia curiosa.
- Ela me fez cair, me perder numa escuridão sem fim, ela me queimava e afogava e eu não conseguia revidar, ela era munida de armas e eu não tinha nada além de medo.
- Como a matou?- A voz estava cada mais imersa em minha história complicada.
- Com minhas mãos e coragem. -Quis arrancar minhas mãos fora, mas meu coração não estava tão arrependido pelo que fez.
- O que sentiu ao matá-la? -Quase estava rindo de mim, para mim era um ultraje, mas eu não podia desrespeitar quem eu não conhecia.
- Prazer, horror, culpa e...viva.
- E assim que sentiu-se viva, morreu.
- Não.
- Não?
- Agora a voz estava confusa novamente, acho que entendia demais os humanos, mas não entendia como era ser humano.
- Entendi por que estou aqui, para tirar esse vermelho dela todo de mim, da minha alma...só fiz isso por que eu não aguentava mais lutar e brigar- tentei justificar os meus atos, e agora as lágrimas corriam com cada vez mais força e qualquer prazer que eu tivesse sentido antes foi substituído por imensa culpa, por ser impotente contra os meus instintos de humana, de ser imperfeito.
- Como ela era?
- Era errada, complicada, se vestia de preto, de maldade, de ignorância, ela era o que todo mundo queria, e ela lutava comigo para ter o controle e ser do mundo, enquanto eu só queria ser dele.
- Ele quem?
- Ele que é amor, misericórdia, ele que me encontrou na vida e me trouxe para uma realidade boa, mas difícil, ele que me ajudou a limpar minha alma até que ficasse branca, ele que me ajudou a me separar em duas. E eu caí na desgraça de novo.

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